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Aquário

por Fernanda Thayná
Desenho de Ariyoshi Kondo para ilustrar o conto de Fernanda Thayná. A ilustração mostra uma cabeça de peixe bem de perto, o olho amarelado se destaca do resto do desenho, em tons de cinza

Mestra em educação tecnológica, doula, (des)formada em hatha yoga e especializada em neurobiologia e filosofia da meditação, Fernanda Thayná se banha no leito de uma educação corporal e artística. Mais recentemente, como desdobramento do ofício e alongamento do corpo, tem se interessado pela tessitura do sensível pelas palavras, tendo uma publicação de autoficção na revista Sarabatana.


Sabe, os adultos vivem me perguntando o que eu quero ser quando crescer e além de já ter enjoado dessa pergunta, acho que não entendo o que eles querem saber. Respondo sempre peixe, quero ser peixe, e eles caem na risada, peixe? A única pessoa que não riu até hoje foi a Zazá, você gosta mesmo de nadar, ela disse, já é uma peixinha.

Zazá é quem cuida de mim, faz o melhor bolo formigueiro e o meu coque para eu ir pro balé. Ela tem uns olhos assim muito pretos e esbugalhados de quem não quer perder nenhum detalhe, um pouco como os meus. Eu acho. Acho também que ela poderia ser a minha mãe. A gente se parece em outras coisas além dos olhos, nós duas somos menos barulhentas, falamos mais devagar e rimos mais que o resto dos adultos aqui de casa. Ela diz que temos passos de fada. Só que tem dias que eu vejo um peso guardado nas costas dela, como um casco de tartaruga que vi uma vez morta na beira da praia, indo e vindo com o vai e vem da água na areia e me dá uma tristeza. Eu pergunto, Zazá, o que foi? Nada não, minha filha, só pensando na vida, e abre um sorriso imenso com aqueles olhos de jabuticaba parados olhando os meus, enquanto passa uma das mãos na minha cabeça.

Hoje ela estava meio assim. Talvez porque subiu o morro para me levar para a escola carregando o aquário que fiz para o trabalho de ciências. Tava pesado. Não lembro exatamente o que a professora disse quando passou essa tarefa, só que enquanto ela explicava, tive a ideia de fazer esse aquário, cheio de terra ao invés de água, com minhocas, caracóis e o que mais eu encontrasse no quintal de casa. Gosto de colocar as mãos na terra e, num aquário de vidro, poderia ver os bichinhos sem precisar incomodar ninguém.

Fui o caminho todo andando na frente de Zazá. Quando passei pelo portão da escola, olhei para trás para dar mais uma espiada naquele grande aquário marrom, da cor das mãos e dos braços de Zazá que vinham carregando. Foi quando vi o degrau. A Zazá vai tropeçar e deixar cair. Não consegui evitar, o pensamento surgiu de repente na minha cabeça, sem aviso, como aquelas tempestades que pegam a gente de surpresa na rua sem sombrinha, só tinha azul e sol quando saímos de casa. Parece que o tempo parou junto com o pé de Zazá suspenso no ar para alcançar o degrau. E eu olhando.

Aconteceu. Mesmo olhando, não sei como aconteceu, só sei que aconteceu. Zazá deve ter tropeçado, o vidro espatifou no chão. Parecia que tinha acordado de um sonho. Os pedaços não voaram longe, ficaram assim em torno da terra que, pesada, meio molhada, caiu como uma manga do pé e formou um monte bem no centro, no ponto cego do desastre.

Foi o meu pensamento que fez isso?

Foi?

Eu acredito no que não vejo, mas a professora não quis saber, eu acho.

Olha, Zazá, eu sou uma peixinha!


Desenho de Ariyoshi Kondo.

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